Kim tem síndrome de Savant, uma condição clínica em que os portadores desenvolvem tanto habilidades extraordinárias quanto graves limitações - no caso dele, autismo. Antes dos 2 anos de idade, já decorava as historinhas contadas para ele da primeira vez que ouvia. Aos 3, longe de conseguir andar (muitos savants têm problemas locomotores), já devorava dicionários.
Diferentemente das pessoas com muita memória que se interessam por um assunto específico (como datas ou música), o americano de 55 anos domina pelo menos 15 campos, de política e boxe às estradas dos EUA. "Eles me chamam de mega-savant", costuma dizer. Ao contrário dos outros que têm a síndrome, ele consegue dar sentido às informações espalhadas pelo cérebro e improvisa conexões entre elas. "Ele é o próprio Google", afirma o médico americano Darold A. Treffert, que estuda a síndrome há 40 anos.
A facilidade em decorar informações é proporcional aos obstáculos da vida cotidiana. Sem muita coordenação motora, precisa de ajuda para se barbear, pentear ou vestir a roupa. Fica descontrolado sem motivo aparente, às vezes fica irritadiço. O que o acalma é a obsessão por conhecimento.
Estimulado pelo pai, Kim é capaz de ficar horas lendo: termina até 8 livros em um dia, um atrás do outro - lembrando 98% de tudo depois. Enquanto uma pessoa comum leva de 2 a 3 minutos para ler uma página, Kim precisa de 8 a 10 segundos. E, de acordo com seu pai, ele consegue ler a página da direita com o olho direito e a da esquerda com o olho esquerdo.
Recentemente, Kim foi levado a uma escola de música, e descobriu-se que ele pode reconhecer uma música que ouviu apenas uma vez, nota por nota. Infelizmente não pode freqüentar concertos, pois dá um chilique quando algum músico erra uma passagem.
Kim Peek foi bastante introvertido até alguns anos atrás, dificilmente olhava as pessoas nos olhos. Mas o filme Rain Man mudou sua vida, já que as pessoas ficaram curiosas em saber quem era a verdadeira enciclopédia ambulante. Dustin Hoffman, impressionado com a capacidade do savant, pediu ao pai de Kim: "Prometa-me uma coisa: divida este homem com o mundo".
Desde então, ele começou a se socializar mais, indo a escolas, instituições de caridade e universidades para dar um pequeno show. Responde a perguntas genéricas dos curiosos, com a vantagem sobre o Google de a resposta sempre ser precisa, instantânea. No final, dá uma pequena palestra, com seu pai, deixando a mensagem: "Todos somos diferentes".
Cada vez mais bem-humorado e independente, o Google humano desafia os cientistas, que duvidavam que alguém com suas deficiências poderia se desenvolver tanto. Seu talento sem paralelos, mesmo entre os savants, é intrigante. Desde 2004 a Nasa e outros institutos de pesquisa o têm examinado para tentar compreender como um cérebro pode guardar tanta informação.
Não é exagero dizer que a cabeça de Kim Peek é um tesouro. "Enquanto não conseguirmos explicar suas habilidades, não poderemos fingir que entendemos a cognição humana", escreveram Darold A. Treffert e Daniel D. Christensen em artigo da revista Scientific American Mind do ano passado.
Fonte: Superinteressante
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